Wonderfalls é uma das melhores séries já criadas. Teve vida
breve: somente treze episódios em 2004 – a Fox não acreditava em seu potencial
e tirou do ar ainda no episódio quatro. Não podemos culpar completamente o
canal. A série girava em torno da jovem Jaye Tyler que passa a escutar “ordens”
de objetos com faces de animais – assim, sem qualquer explicação. Ainda, sua
montagem era acelerada, não raro com tela dividida, edição que “voltava a fita”
e flashbacks – condutas ousadas em era pré-Lost. O canal não entendeu nada.
O time de envolvidos era incrível: criada por Bryan Fueller
(dos também geniais, e de vida breve, Pushing Daisies e Dead Like Me) e Todd
Holland (que tem um tino sensacional para comédia e volta e meia dirige
episódios de 30 Rock), com um elenco afiadíssimo e bastante entrosado liderado
por Caroline Dhavernas (um bom motivo para se amar o Canadá).
Os diálogos são afiados, ágeis e graciosamente
polissilábicos – qualidades raras mesmo sozinhas na televisão aberta americana
– e os personagens são muito bem desenvolvidos. Jaye Tyler (Dhavernas),
principalmente. De vinte e poucos anos, diploma de boa faculdade debaixo do
braço, ela passa o dia trabalhando em uma loja de souvenirs em Niagara,
subalterna de um garoto mais novo e patético, voltando para seu trailer aconchegante
e evitando seus familiares, todos bem-sucedidos. Contudo, ela é feliz. Todo seu
suposto fracasso é cuidadosamente calculado.
Jaye tem uma família amorosa, é inteligente, capaz, bonita e
autoconfiante. Porém, prefere ter um trabalho que não a desafia, com pessoas
que ela nunca verá novamente (turistas vêm e vão), viver em uma casa com rodas
que não sai do lugar e evitar contatos profundos com homens ou fazer novos
amigos. Paga suas contas e tem seus prazeres. Para quê complicar? Trata-se de
uma garota ácida, espirituosa e arisca, que não gosta de se envolver e que
conseguiu criar um ambiente para si “livre de stress e de qualquer
expectativa”, como afirma uma personagem. E nisto entram os seres inanimados
animados como macacos de bronze e pinguins de brinquedo que passam a lhe
irritar até que Jaye faça o que mandam. E isto a faz se abrir para a vida, aos
poucos.
É uma comédia, aliás. Muito boa.
Em determinado episódio, discute-se exatamente quem é Jaye.
“É a quintessência da Gen Y”, diz
uma, “são jovens abençoados com educação e oportunidades que não sofrem com
adversidades, as atravessam”. E ainda continua com “nunca vivendo todo seu
potencial, mas nunca se machucando”. A dúvida que atravessa a série e atinge em
cheio o espectador é “Por quê?”.
Realmente, machucar-se não está entre as preferências de
minha geração, muito menos das que a sucedem. Não abrimos mão de nosso
conforto. Provavelmente a gente deixe de sentir muita coisa nesse processo. O
conforto, acima de tudo, conforma.
Levantar, lutar por alguma coisa e, especialmente, escolher
alguma coisa merecedora são tarefas difíceis e dolorosas – e a série mostra indiretamente
isto.
No final das contas, ao seguir as ordens de leões de cera e
iguanas de pelúcia Jaye tem a sorte de ser poupada de escolher.
Nós não.
(Mas sempre poderemos escolher ver Wonderfalls. No conforto
de nossos lares, claro.)
Abrir-se para a vida,
percebemos com ela, não é fácil, porém tem suas vantagens.