quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Reminiscências rasas

Quando eu estava na sétima série meu colégio realizou uma cápsula do tempo com todos seus alunos e funcionários. Fui receber minha carta na semana passada.

Confesso: estava bastante empolgado para voltar lá e receber a minha. O primeiro impacto é ver que o colégio mudou completamente nestes anos. Os caminhos até o prédio, os toldos novos, portas trocadas, disposições novas de vários departamentos, salas novas, até a capela mudou de lugar. Mesmo o piso do pátio, para meu espanto, foi trocado do vinil vermelho para pedras azuis e cinzas! Nisto me lembraram que trocaram o piso ainda dois anos antes de eu sair de lá.

Talvez a memória de um colégio seja feita de um tempo mais distante que o real.

Entre as surpresas, além da enorme quantidade de gente que realmente foi, estão aquelas que mostram que nada mudou: continuam sem ligar o ar-condicionado no auditório lotado; o mestre de cerimônias/apresentador/cantor continua o mesmo, com as mesmas canções católicas – e a mesma jardineira; o coral e o grupo de teatro continuam daquele jeito; o evento atrasa quase uma hora e a cerimônia dura o dobro do que você previa.

Eu esperava algo como uma reunião com todos os estudantes antigos e colegas, em um clima de alegria mútua e, vá lá, comunhão com o próximo. Estive enganado. Não sei porquê cargas d’água esperava que pessoas que eram metidas ou intragáveis tivessem crescido, ou que os alunos tímidos ou anti-sociais se tornariam simpáticos, mas eu esperava que sim. Todos estão mais ou menos iguais – alguns com barba, como o meu caso. Foi uma manhã tão estranha. Talvez seja melhor deixar os tempos do colégio nos tempos do colégio.

Li minha carta. Fiquei absolutamente surpreso. E eu pensava que me lembrava do que tinha escrito.

Primeiro que vi que estava diante de um cara legal. Mas legal mesmo. Que se importava verdadeiramente com o que estava a seu redor. Que escrevia bem. Que colocava os amigos e a família à frente das coisas. Que lia. Que questionava. Que mostrava preocupação com o futuro. E esperto (tem um trecho em código! E eu lembro perfeitamente como decifrá-lo!).

Respostas para algumas questões feitas por mim, aos trezes, para mim, hoje:

- “O homem já pisou em marte?”
Não. E não sei de onde veio a impressão de que teria pisado.

- “Continuo indo muito ao cinema?”
Sim.

- “Eu dirijo bem?”
Sim!

- “Nós viajamos para a Itália?”
Não, mas fomos para a Holanda, que é bem mais legal (e Paris).

- “Nós fizemos estágio na MTV?”
Não, graças a Deus.

- “As pessoas estão dando mais atenção para as outras?”
Você continua fazendo sua parte.

-“Nós escrevemos?”
Sim, ainda que irregularmente – em vários sentidos disto.

Segundo porque é impressionante ver como certezas mudaram desde então. Casais que eu descrevi como felizes se separaram. Pessoas que eu não esperava que morressem, morreram. Nomes que eu listei como amigos, perdi contato. Entretanto, boa parte dos meus maiores amigos de hoje estão listados na carta. E somos ainda mais próximos agora. Tenho novas certezas.

Eu lembro bem que esperava que aos meus dezessete, dezoito, eu seria bastante diferente. Acreditava que as pessoas mudassem, que a personalidade se definia apenas lá pela metade da faculdade. O dia da carta sepultou de vez essa crença. Eu continuo muito próximo de quem eu era na sétima série, bem como meus antigos colegas, como pude constatar.

É mais fácil mudar paredes inteiras de um colégio enorme que quem você é.

Claro, os dias provocam alterações em cada um. Creio que eu era mais sábio, talvez mais esperançoso. Confesso que fiquei feliz ao ver o que fiz no tempo que passou. Pode não ter sido espetacular, mas foi da maneira que eu quis, por escolhas minhas. Não são muitos os que podem dizer tal.

Todos foram convidados a escrever mais uma carta, no mesmo dia. Agora é esperar até a cápsula nova ser aberta. Pena que a carta que fiz hoje não chega aos pés da que eu fiz aos treze.

Superar o passado é uma tarefa pra hoje.