segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Ban, você consegue ouvir os sons?

(Escrevi em setembro. Pensei que estivesse perdido. Não é muita coisa, mas é algo simpático - como o autor.)

Às vezes, não adianta fugir dos fatos. No entanto, correr atrás deles cansa mais que maratona.

Respire fundo! Estou vasculhando a memória e tentando decifrá-la para compreender os últimos eventos - de 35 horas atrás, para ser mais exato. Talvez não haja nada a ser compreendido, mas a tentativa é valida. É isso ou ser surpreendido. Mais uma vez.

Eu e meus amigos formamos um grupo pequeno e fechado. Não aceitamos novos membros facilmente e nem estamos interessados nessa possibilidade. Nos bastamos. Não sei como nos encontramos, mas combinamos de uma maneira que é difícil imaginar passar dias sem nos ver. Enfim, por mais que eu não goste de admitir, somos um Grupo - na acepção sitcom do termo, se preferir.

Enfim, temos um membro mais ou menos recente, de ascenção meteórica nos meus degraus da amizade: a Flávia. (Vou começar a nomear as coisas por aqui. Muito mais fácil.) Não vou me ater ao meu passado com ela. Quero saber dos fatos que culminaram nas últimas 35 horas.

Quinta-feira. Flávia decidiu que faríamos (nós, o Grupo) uma noite de tequila na casa de um dos nossos, Miguel. Beleza, só falta avisar o Miguel.

Quem? Miguel é um dos mais antigos nossos, uma das pesoas mais honestas que eu já conheci. Infelizmente, para ele grosseria faz parte dessa coisa de honestidade. É admirável, na verdade. Se ele não gosta, despreza. Se não tem interesse, ignora. Se vence, vangloriza-se descaradamente. Não só isso, o Miguel faz questão de anunciar a hombriedade: ninguém perguntou, mas ele já faz um parecer a respeito de alguma prática sexual. Eu sei, pode soar como um chato, mas ele é um cara legal. Verdade.

Então, sexta à noite, anfitrião devidamente avisado, éramos seis no total: Miguel, Flávia, Henrique, um casal (ela, uma das nossas, ele, absorvendo-a completamente) e eu. Diga-se de passagem, não sou bom com tequila. Nem um pouco.

(O que me lembra, preciso me vingar de quem sugeriu um jogo de beber, o sueco. Basicamente, há um baralho e cada carta significa uma coisa e essa coisa tem relação a virar o copo. Jogos de bêbados não podem ser complicados.)

O jogo avançou, o casal deu o fora, eu fiquei bem torto e, em algum momento que eu não percebi, a Flávia tinha saído da sala.

Ou o Miguel. Engraçado que não consigo lembrar quem saiu primeiro, muio menos o que disse quem saiu depois. A casa do Miguel é pequena, apartamento de solteiro, movimentar-se da sala para qualquer outro lugar exige palavra a quem está no caminho.

Resultado que eu e o Henrique estávamos conversando quando, de repente, ele perguntou onde os outros dois estavam.

Eu não tinha a menor idéia.

Eles estão no banheiro, disse o Henrique, com um repentino tom de cochicho.

Ué, fazendo o quê?

Fale mais baixo! Ué, o que mais pode ser.

Pausa constrangedora. Eu definitivamente não raciocino bem com tequila.

Ban, você consegue escutar os sons?

Oh... não parece nada para mim - desconversar, uma arte esquecida.

Porra, a gente tá na sala ao lado! Só tem uma parede aqui! Que cara-de-pau...

Barulho de torneira abrindo. Água corrente.

Bem, pelo menos eles estão mais discretos agora. - falei, mesmo com meu copo meio vazio.

Vou lá ver.

O quê? Você não pode fazer isso!

E eles podem? Além disso, você escutou fecharem a porta?

Urgh. Eu preciso muito ir ao banheiro.

Diante da extrema coesão apresentada por mim, Henrique se levantou, vagarosamente, e foi, com enorme cautela (devido à bebida e não ao espírito investigativo), até o corredor.

Lembro que naquela espera, o tempo pareceu esperar comigo. Talvez fosse o efeito etílico, a solidão súbita, ou mesmo a enorme vontade de ir ao banheiro. Fato que eu desejava que ele voltasse rindo, dizendo que o Miguel estivera este tempo todo vomitando pelo banheiro, ou a Flávia desmaiada no chão. Preferia pensar nisso que nas consequências da possibilidade mais lógica.

Henrique voltou e fez um sinal de fim de jogo.

E aí? - Não me aguentei.

O que você acha? Tão ficando.

Não. Sério?

Tô dizendo. Eu vi. O que mais poderia ser?

Você tem certeza?

Barulho de porta fechando. E tranca.

Isso responde à sua pergunta?

Pelo jeito você não foi tão discreto...

Pelo jeito eles se tocaram de alguma coisa...

Não consigo acreditar que a Flávia tenha feito isso.

Ué, como não?

Ora... um de nós...

O pior é que é na nossa frente! Porra, uma noite entre amigos, deixei minha namorada em casa e, do nada, esse tipo de coisa!

É. Desagradável.

Pra dizer o mínimo.

Bem, tenho uma preocupação maior no momento.

Qual?

O tanque, ao lado da cozinha. Você lembra se era alto?

Meu Deus, você leu minha mente. Pensei pela janela, mas me pareceu tão...

Aluísio Azevedo?

Exatamente.

Suspiros desanimados.

Olha, já sei o que fazer - disse o Henrique.

Confesso que este foi um momento de apreensão para mim. Mas ele simplesmente levantou e foi até o banheiro. Deu três batidas na porta e, em alto e bom som:

Vocês sabem que esse é o único banheiro da casa, né? - Eu teria gargalhado se pudesse mover o abdômen.

Voltou ao sofá e dois minutos depois apareceram Flávia e Miguel, com sorrisinhos de cumplicidade. Ela foi a primeira a falar, ao passar por mim e apontar para a barra da calça:

Tá vendo? Vomitei.

Ah...

Sério, o banheiro tá imundo. Tava passando mal, mas mal mesmo, até agora.

E o Miguel? Segurou seus cabelos?

Quê? Eu podia ajudar, eu tenho experiência no assunto - disse Miguel, sem alteração alguma, olhando para mim.

Henrique já tinha saído da sala. Estávamos apenas os três.

É engraçado como três pessoas que são muito próximas podem ficar subitamente constrangidas umas com as outras. Miguel sentou em uma cadeira, em frente à outra com Flávia. Eu estava entre eles, sozinho no sofá, procurando digerir a noite - os litros e os fatos.

Por motivos que eu ainda não sabia, me senti sujo por ter testemunhado aquilo. Não tanto pelo silêncio, mas pelo que o havia precedido. O contrato da nossa amizade parecia ter sido violado. Furtivamente, com uma fuga ao banheiro. Despudoramente, com uma fuga ao banheiro permanecendo com a porta aberta em um apartamento de 50m².

Amigos não fazem este tipo de coisa - era tudo o que a tequila me permitia concluir.

Henrique voltou e eu pude (finalmente) ter algum tipo de alívio daqueles minutos. Levantei-me e fui ao banheiro. Impecável. Nem parecia haver qualquer universitário na casa.

De volta à sala, Henrique sentado na cadeira onde antes Flávia estava, me olhando com uma expressão de puro constrangimento. Não estava entendendo até me virar para o sofá: Miguel esparramado com Flávia encostada com todas as costas nele, com as pernas sobre o resto de almofada onde ainda caberia uma pessoa. Abraçados. Unidos.

Não precisamos de mais de cinco minutos até conseguirmos arranjar qualquer desculpa para sair dali. Henrique e eu nos levantamos. Estava tarde.

Mas Ban, eu que ia te dar uma carona de volta pra casa! - lembrou Flávia, sem mover um músculo.

Nem se esquente. Ele passa por lá.

Ah. Então tá. Eu não tô me sentindo muito bem mesmo, melhor eu ficar aqui até o efeito da tequila passar um pouco.

Claro.

No carro, eu, os litros e um Henrique ofendidíssimo, em palavras dele:

Estou ofendidíssimo! Como que eles têm a cara de pau de fazer isso? Na nossa frente!

Eu sei...

Meu Deus, estamos sempre juntos!

Aham. Mas eu já não respondia. O sono era forte.

Sabe, eu não esperava isso. E a Flávia é tão gente boa, bonita, sabe um monte de cultura pop. Você e ela estão sempre conversando, né? Às vezes por horas, ela me contou. Que te acha super engraçado. E comigo ela é legal também. Sabe, se pensar bem, o Miguel é um cara de sorte. Quem quer que ela namore vai se divertir bastante.

É. Deveria ser eu...

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

hungry hearts


Eu cometi alguns erros no final do ano. Mas não quero falar disso agora.

(500) Days of Summer é um dos filmes do ano que passou. Sabe aquele cinema tão bem pensado e executado, com atuação, roteiro, fotografia, edição e trilha impecáveis, que só pode ser explicado por algum alinhamento cósmico? É um desses.

Não lembro a última vez que vi um filme com um sorrisão de orelha a orelha, desde o primeiro minuto ao último – que eu nem queria que chegasse. A história está completa já no pôster: "Garoto conhece garota. Ele se apaixona. Ela não". Uma experiência, brilhante mesmo. Não estou exagerando: acompanhei aqueles minutos como se observasse um segredo se descortinando, ou um espelho mais estiloso e bem fotografado da vida real. Verdade seja dita, não foi difícil gostar do filme, vez que eu não sou muito diferente do personagem principal. Aliás, nem um pouco. Ele acredita no amor, na beleza, no impulso e no fracasso. Em resumo, é um babão. Eu também.

Há outro motivo para o filme funcionar tão bem e ele tem olhos azuis enormes: Zooey Deschanel. Impossível não sair derretido por ela. Deixei a sala do cinema decidido a encontrar minha própria Zooey (não a Summer, que é uma pessoa assustadoramente tão real quanto fria). E a encontrei.

Ela era adorável e simpática. Com um sorriso um tanto tímido e o par de joelhos assimétricos mais encantador que já vi. Além disso, era dotada de algo que só posso explicar como uma “aura cool”, devido a sua profissão e conversa.

(Eu disse que sou babão.)

Aqui fica um dos meus maiores erros: como facilmente dedutível, eu tendo a idealizar a garota no exato momento em que a percebo. É mais forte do que eu. Não é nada do tipo Pores-do-sol, Caminhadas na praia e Cia., entretanto. Ainda assim, eu sei que é fruto da minha imaginação descontrolada e acarreta em duas conseqüências no mínimo desastrosas. A primeira é me transformar em alguém muito feliz mesmo com pouco ou nada acontecendo, já que sou alimentado pelos curtas da minha própria sessão particular. Nada contra ser feliz, respeito quem faz esta escolha, cada um na sua, etc., mas eu não funciono muito bem nessa configuração. Além disso, por ser uma felicidade “acessível”, ela me desmotiva a dar passos maiores (ou mais seguros) para o que há de verdade lá fora – inclusive há a falsa sensação de “dever cumprido” (o mantra de que, se estou feliz, alcancei alguma coisa). A segunda, bem pior, é o fato de que a realidade nunca vai fazer jus à ficção que montei. Transforma-se em uma corrida contra um fantasma, o que vai desgastando tudo, e de uma maneira bem lenta, pois continuo cego e agarrado ao quadro que mentalizei.

E foi assim que deu errado. Botei os pés pelas mãos, admito.

De volta ao ponto de partida, um pouco mais sábio. Pelo menos.

Claro, já me amaldiçoei a respeito e fiz o mesmo com o mundo. Por exemplo, tenho um conhecido que é, sim, um babaca. Um cara do bem, mas ainda um babaca. E tem guria caindo em cima. Além de ser desalentador para o futuro da humanidade, este tipo de apontamento sempre me faz questionar minhas escolhas.

Estou freqüentando os lugares certos? Devo sair mais? Minhas roupas são inadequadas? Minha barba está tão ridícula assim? Eu preciso malhar?

Eu preciso me tornar um babaca para ser apreciado?

Conversando com uma amiga de infância da minha irmã ela me disse que estava cansada do mundo:

“Eu sou legal, faço um puta de um curso [medicina], estudo, sou muito mais bonita que muita guria por aí. E... sabe, não acontece nada. Eu não quero ser como essas vadias – pra começar, eu sou capaz de manter uma conversa por mais de dez minutos – e eu não quero sair fazendo um estrago e agarrar todo mundo. Eu não sei por quê parece que é como se eu repelisse os caras, eles passam reto! E olha que eu não tô afastando ninguém! Eu só não fico me tacando nos outros”.

Vale destacar que ela é uma garota bem legal, uma das melhores amigas da minha irmã, se não a melhor (sim, isso impossibilita qualquer coisa, além de eu conhecê-la desde criança e ainda vê-la assim).

Ficamos conversando e desenvolvemos a desculpa de que há uma espécie de “controle de churrascaria” na vida amorosa. Se o lado vermelho estiver para cima, a carne não chega até você. A teoria a deixou contente, mas acabou em um beco sem saída: como virar para o lado verde?

Não soube respondê-la.

Mencionei que talvez fosse uma questão de exposição (não-física), mas percebi que era uma bobagem pois sou uma das pessoas que conheço que mais se expõe aos outros – e cá estou. Ela sugeriu que talvez fosse necessário fingir mais, fazer mais jogos – porém fumaças e espelhos são boa parte dos motivos de nossas insatisfações com o mundo em questão, sem mencionar o desgaste em que acarretam.

Concordamos que também é horrível ouvir coisas como “mas você é tão legal”, “nossa, mas você merece alguém mega especial”. Sei.

Ouvi uma guria dizer que “matava” (sic) para conhecer um Tom (personagem principal do filme já mencionado). Eu só faltei acender um luminoso na minha testa.

Tem gente que quer pastar e não olha pro próprio quintal.

Isso não se aplica a mim, que fique bem claro. Destruir uma amizade importante da minha irmã (ou arriscá-la seriamente) não está nos meus planos. E crescemos juntos. São poucas as coisas menos empolgantes em uma pessoa que crescer juntos – diga-se de passagem, desconfie de qualquer um que afirme o contrário: você estará diante de um imbecil, raça bem pior que babões. Os primeiros são conhecidos pela mentalidade curta e condicionada, enquanto os segundos por saliva descontrolada. Usando uma metáfora ruim, babões são míopes, recuperáveis com o grau certo de óculos, enquanto um imbecil é cego; ele se agarra ao que acredita, mesmo sem ter como justificá-lo. Você não conseguirá mudar as opiniões de um imbecil. O babão eventualmente cai em si.

Acabei falando de alguns erros que não queria mencionar. Continuo com a característica de quebrar os compromissos que faço comigo mesmo.

Mas disso eu falo outra hora. Prometo.