domingo, 13 de maio de 2012

Quem é Jen Why?


Wonderfalls é uma das melhores séries já criadas. Teve vida breve: somente treze episódios em 2004 – a Fox não acreditava em seu potencial e tirou do ar ainda no episódio quatro. Não podemos culpar completamente o canal. A série girava em torno da jovem Jaye Tyler que passa a escutar “ordens” de objetos com faces de animais – assim, sem qualquer explicação. Ainda, sua montagem era acelerada, não raro com tela dividida, edição que “voltava a fita” e flashbacks – condutas ousadas em era pré-Lost. O canal não entendeu nada.

O time de envolvidos era incrível: criada por Bryan Fueller (dos também geniais, e de vida breve, Pushing Daisies e Dead Like Me) e Todd Holland (que tem um tino sensacional para comédia e volta e meia dirige episódios de 30 Rock), com um elenco afiadíssimo e bastante entrosado liderado por Caroline Dhavernas (um bom motivo para se amar o Canadá).

Os diálogos são afiados, ágeis e graciosamente polissilábicos – qualidades raras mesmo sozinhas na televisão aberta americana – e os personagens são muito bem desenvolvidos. Jaye Tyler (Dhavernas), principalmente. De vinte e poucos anos, diploma de boa faculdade debaixo do braço, ela passa o dia trabalhando em uma loja de souvenirs em Niagara, subalterna de um garoto mais novo e patético, voltando para seu trailer aconchegante e evitando seus familiares, todos bem-sucedidos. Contudo, ela é feliz. Todo seu suposto fracasso é cuidadosamente calculado.

Jaye tem uma família amorosa, é inteligente, capaz, bonita e autoconfiante. Porém, prefere ter um trabalho que não a desafia, com pessoas que ela nunca verá novamente (turistas vêm e vão), viver em uma casa com rodas que não sai do lugar e evitar contatos profundos com homens ou fazer novos amigos. Paga suas contas e tem seus prazeres. Para quê complicar? Trata-se de uma garota ácida, espirituosa e arisca, que não gosta de se envolver e que conseguiu criar um ambiente para si “livre de stress e de qualquer expectativa”, como afirma uma personagem. E nisto entram os seres inanimados animados como macacos de bronze e pinguins de brinquedo que passam a lhe irritar até que Jaye faça o que mandam. E isto a faz se abrir para a vida, aos poucos.

É uma comédia, aliás. Muito boa.

Em determinado episódio, discute-se exatamente quem é Jaye. “É a quintessência da Gen Y”, diz uma, “são jovens abençoados com educação e oportunidades que não sofrem com adversidades, as atravessam”. E ainda continua com “nunca vivendo todo seu potencial, mas nunca se machucando”. A dúvida que atravessa a série e atinge em cheio o espectador é “Por quê?”.

Realmente, machucar-se não está entre as preferências de minha geração, muito menos das que a sucedem. Não abrimos mão de nosso conforto. Provavelmente a gente deixe de sentir muita coisa nesse processo. O conforto, acima de tudo, conforma.

Levantar, lutar por alguma coisa e, especialmente, escolher alguma coisa merecedora são tarefas difíceis e dolorosas – e a série mostra indiretamente isto.

No final das contas, ao seguir as ordens de leões de cera e iguanas de pelúcia Jaye tem a sorte de ser poupada de escolher.

Nós não.

(Mas sempre poderemos escolher ver Wonderfalls. No conforto de nossos lares, claro.)

Abrir-se para a vida, percebemos com ela, não é fácil, porém tem suas vantagens.